Nasci.
Nesse mesmo instante apaixonei-me por um livro que, apesar de já ter passado do meio, eu comecei a ler com imenso entusiasmo e a envolver-me de uma forma especial e única. Por vezes folheava por alto as folhas anteriores que só confirmavam a ideia que tinha daquele livro que me foi dado ao nascer.
Cada capítulo que lia era mais intenso e desejava sempre ler mais e mais até à eternidade, pois o livro era só para mim e era para mim que ele existia. Que lindos capítulos eu lia, neles eu vivia as mais sinceras emoções e os pormenores mais escondidos que significavam tanto, tanto!
Comecei então a sentir que o livro não teria fim, pois era-me tão necessário e essencial que, mesmo que não o estivesse a ler, estaria sempre na minha mão protegido. Os capítulos mais belos seguiam-se uns ao outros e quando pensava que já seria impossível impressionar-me ao lê-lo, lá vinha um grandioso e tão único capítulo que as palavras mais simples cresciam dentro de mim fazendo-me sentir simplesmente bem, e isso é tanto!
À medida que os capítulos continuavam, eu, apesar do aviso de que os livros só faziam sentido quando terminassem, acreditava que este não iria ter um final, não queria acreditar que o autor do livro tivesse a liberdade de o terminar, pois a história mais bela do mundo deveria ser interminável, e assim vivia sempre à espera dos mais sinceros textos que jamais eu tinha lido e que tinham sido escritos só para mim.
Então um dia, quando ia ler mais um pouco do meu livro, apercebi-me que tudo se tinha alterado, as palavras continuavam lá e também todo o conteúdo anterior, mas quem escrevia a história dava agora indícios de que o livro iria acabar. Mas eu não queria, era o meu livro.
Continuei a lê-lo com esperanças de encontrar um capítulo renascido, mas, à medida que lia aquela história, começava a sentir-me mal, porque as palavras tinham-se degradado aos poucos. Era tudo muito lento, mas como podia eu alterar um livro que já tinha sido escrito?
Continuava a ler o livro da minha vida, aquele que me deram a ler mal nascera, mas as lágrimas, por vezes, manchavam as palavras nele escritas. Queria ler os capítulos antigos, mas apenas podia folheá-los. A história, outrora a mais bela e a que me dava força, era agora a que me deitava a baixo, pois sentia que, apesar de não querer ver o seu final, era preferível que ela acabasse quanto antes. Mas não, ela teimava em fazer-me sofrer, cada capítulo um pouco mais, cada vez um pouco pior... Eu, sentindo-me impotente e revoltado, limitava-me agora a ler vagamente a história que apodrecia com o livro que tanto estimava e que tanto gostava. Porquê? Porque existem livros assim? Por que será que me fazem sofrer durante tanto tempo?
Permanecia a ler aquele livro que se desfazia lentamente nas minhas mãos sem que eu pudesse fazer nada, limitava-me a observá-lo para meu castigo e para minha profunda tristeza. Onde está o livro que outrora eu lia? Eu quero esse. Como pode um livro tão bom ter um final iminente destes? Porque se desfaz tão lentamente deixando-me de respiração suspensa tanto tempo? Será que não vêem que eu vou sufocar? Pára! Pára ! PÁRA! Por que ninguém me tira o livro das mãos? Eu não aguento mais o seu peso, é demais! Eu sei que são demais os sofridos sentimentos que o livro me arranca, mas, por outro lado, eu quero ficar com ele, porque, apesar do que ele me está a fazer passar, ele é e será sempre o livro da minha vida, custe o que custar. Lembrar-me-ei dos momentos perfeitos que vivi ao ler aqueles velhos capítulos que agora estão tão distantes, eles são antigos, mas não deixam nunca de ser perfeitos e eu recordo-os e farei recordar, pois posso não poder alterar a história, mas posso torná-la intemporal e digna dos maiores momentos que o Homem já viveu, é que pode ser simples e básica esta história que leio, mas o que me ensinou vale tudo o que o Homem aprendeu até hoje.
A minha leitura continua, mas as palavras tendem a apagar-se levemente com o tempo e a história agora é praticamente estática, mas consegue, mais uma vez, surpreender-me, é que, apesar de tudo, uma palavra escondida começa a aparecer na última folha, um pouquinho mais à frente, e a palavra é, novamente, simples, básica e, acima de tudo, sincera: Amo-te.
Ao meu Avô.
27/11/00