Vidas

Mal nascemos ganhamos aquela noção que a nossa vida vai ser maravilhosa, porque nós somos maravilhosos e isso é para nós suficiente.

Esse estado de espírito mantém-se nos primeiros anos e nós permanecemos invencíveis, contra tudo e contra todos, porque nós somos maravilhosos e estamos condenados a ter uma vida de felicidade e amor eternos!

Quando surge um primeiro obstáculo para o nosso propósito, derrubamo-lo, resolvemo-lo, desviamo-lo, ou desviamo-nos, somos imparáveis na nossa marcha triunfal, somos maravilhosos!

Porque quando somos pó, ansiamos a chuva para nos tornarmos lama e ansiar o Sol para nos tornarmos sombras e podermos, finalmente, gritar em plenitude que vivemos!

Mas os obstáculos mantém-se sempre! E eles saqueiam e violam os nossos sonhos e ambições e esperanças, porque eles simplesmente não param de surgir, um a um, e arrancar pedaços da nossa vida!

Com o andar da vida, deixamos nós de andar sobre esses sonhos novatos e começamos a sentir a aspereza das nossas mãos, as escuridões da nossa face e o cansaço da nossa vista.

Assim, permanecemos suspensos a viver, ou a deixar viver os dias que ainda nos faltam, para assistirmos, impotentes, ao aumento do peso nas nossas mãos, na nossa face e na nossa vista.

Porque se não vivermos, não poderemos gritar, finalmente, nem nos tornaremos sombras depois do Sol, nem nos tornaremos lama depois da chuva, pois seremos pó!

E porque a vida nem sempre nos acolhe e colhe-nos os sonhos de uma vida quando uma presença é uma ausência, um nome uma palavra, um suspiro vento e um corpo pó!

E o que resta de uma vida cheia?

Pó… e toda a distância entre as suas migalhas.